terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Desconhecidos

 "Passo a passo, um rapazinho seguia o caminho que o levava em direcção à Floresta dos Cem Ramos. Do outro lado da floresta encontrava-se a vila, e enquanto pensava no caminho que ainda teria que percorrer, o infante abria com dificuldade a bainha de cabedal que tinha presa à cintura. 

 Com as duas mãos ocupadas: uma com o punhal que o pai lhe tinha oferecido há anos atrás e a outra com a lebre que acabara de caçar, teve que abrandar o passo e aplicar um pouco mais de atenção ao que tentava fazer. Ao longo da faca, de lâmina ainda suja, escorriam gotas avermelhadas e brilhantes de sangue ainda quente e fumegante que pertencia à lebre, por isso, antes de mais nada, ajoelhou-se, procurou uma folha qualquer limpa, e poisando o animal morto no chão, deslizou-a na superfície lisa do punhal. Quando acabou de limpar a faca largou a folha outra vez no chão, embainhou o punhal, agarrou a lebre de novo sacudindo-a com cuidado para tirar a terra e levantou-se.

 Eram mais ou menos seis da tarde e a luz já se dissipava por entre as folhas das árvores. À medida que esta enfraquecia o rapazinho ia deixando de ver e pensando cada vez mais na lanterna que devia ter trazido. De vez em quando um ramo de uma árvore ou de um arbusto esquivava-se por entre os seus dedos e embatia numa das suas bochechas ou na testa deixando-a rosada:

 - Ah! Ah! Ah! - ia segredando a si mesmo cada vez que era chicoteado.

 O caminho era longo, e embora houvesse um carreiro que cortava por entre o bosque, àquela já só havia uma distinção possível aos seus olhos: o chão era preto e as árvores escuras, por isso limitava-se a andar a direito."

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Momentos na Vida

 Todos os textos que se seguem foram, um dia, há tempos, um segredo escrito e escondido pelo meio de folhas esquecidas com o tempo e relembrado agora talvez para partilhar com quem quer que seja que demonstre interesse.
 Há momentos na vida que todos queremos esquecer, que todos queremos tirar de dentro de nós e atirar ao ar em forma de grito ou de choro. Atirar à cara da vida para lhe mostrar que somos capazes de nos levantar, virar costas e continuar a correr até não poder mais. Mas às vezes não somos..


 " Hoje não sei o que escrever.
  Tenho um turbilhão de coisas: um furacão talvez. Um furacão de memórias tuas e minhas... nossas.
  Cada vez mais oiço que o medo não nos deixa viver, só nos faz morrer. Penso...
 
   Hoje penso em ti e a única coisa que sinto é uma dor no coração que me diz o quanto te amo e que me diz o quanto me esqueces a cada dia que me passa à frente dos olhos e que, por mais que tente agarrar, se esquiva por entre os dedos como fumo fugidio.
   Hoje não há mais nada a escrever , apenas há a sentir. A sentir os pensamentos de um coração que se parte e se cola de um dia para o outro. Sentimentos esses que apenas me deixam acordado para assistir a mais uma tortura.
   "Porque é que te amo tanto se a única coisa que aprendeste a fazer comigo foi a nunca saberes o que sou para ti?"
   Este sentimento de agonia derrete todos os dias mais um tijolo de que sou feito, ao saber que te quero tanto e que, a cada minuto que passa, tens menos a certeza do que outrora disseste e agora retiras.
   O hoje para mim vai ser mais um dia de serviço do meu inconsciente: o inconsciente dos medos e desejos que me gasta as lágrimas e o sangue. Talvez o fim da minha vida seja aquele em que me tornarei apenas em mais uma alma que vagueia pelo mundo sem sangue e sem cérebro.
   Prometo apenas, então, que quando esse dia chegar vou deixar de te procurar, porque esse dia será aquele em que também tu partirás.
   Até lá... Amo-te apenas por mais um pequeno dia.
                                                                                                                   Francisco"