terça-feira, 22 de julho de 2014

Eva

"  Depois de se separarem de Michael, Gabriel e Rafael correram em direcção às portas. Tinham que chegar ao quarto o mais rápido possível. As camas tinham que ser desfeitas e os lençóis e os cobertores amarrados e lançados pela janela.
  Quando entraram deram de caras com Josie, mas iam tão depressa que a única coisa que a empregada viu foi um par de vultos seguidos de uma brisa leve que lhe sacudiu as pontas do avental e do vestido e a deixou a falar para o ar ao tentar avisá-los que William os queria à mesa. Mas os irmãos não a ouviram. As suas mentes estavam já trancadas no quarto e, segundos depois, também os seus corpos lá se encontravam.
  Depressa desfizeram as três camas, deixando apenas um lençol sobre um dos colchões para que a pudessem deitar. Já sabiam que ia ficar tudo manchado, mas eram bons a inventar desculpas e, se alguém fizesse perguntas, era o que fariam.
  - Já está? - Perguntou Michael lá de baixo, quando Rafael acabava de fortalecer o último nó, dando-lhe outro por cima.
  - Está quase! - gritou por cima do ombro, enquanto passava o rolo duplo de lençóis à volta do pescoço.
  Michael estava a ficar preocupado. A rapariga começava a ficar branca como mármore branco, provavelmente por causa de todo o sangue que perdera. Estava quase a gritar, para a janela, que se despachassem, quando apanhou com uma cobra de cobertores na cabeça.
  - Desculpa! - gritou Rafael.
  Michael não respondeu. Estava agoniado, pois começara a sentir de novo aquele cheiro nojento. Queria chegar ao quarto, pousá-la e tratar dela depressa, para que acordasse e lhes respondesse a todas as perguntas que tinham, por isso puxou o rolo de tecido até à altura do chão, encaixou a cintura da rapariga no seu ombro e agarrou-se o melhor que conseguiu.
  Usando o corrimão de pedra do varandim com apoio, para facilitar, Gabriel e Rafael içaram o irmão e, pouco depois, ajudavam-no a a trepar para o quarto. Embora já todos tivessem dado pelo odor nauseabundo, conseguiram ignorá-lo. Gabriel aliviou o irmão do peso da rapariga, transportando-a pelo quarto até à cama, enquanto Rafael puxava o irmão pelo braço, agora também encharcado com o líquido vermelho vivo. Ainda tinham no quarto um alguidar de ferro cheio de água que tinham usado, nessa manhã, para lavar a cara, e, aproveitando que lá estava, Michael passou o sangue, que lhe manchava o antebraço, por água, até deixar de estar peganhento.
  Depois aproximaram-se da cama onde Gabriel a  tinha deitado.
  - Rafael, desfaz o rolo de lençóis e dá-me um deles, por favor - pediu Michael.
  - Está bem.
  - Gabriel, ajudas aqui? - sugeriu, desapertando o colete, que ainda estava atado à canela da rapariga.
  Com as duas mãos e muito cuidado, Gabriel afastou-lhe a perna do colchão, Rafael entregou a Michael um rectângulo de tecido limpo, dobrado, e este substituiu o colete ensopado pelo lençol, atirando-o depois pela janela, pois tinha percebido que era a fonte daquele cheiro horrível.
  Usando mais um dos lençóis e a água do alguidar, limparam-lhe  os cortes fundos, que ainda jorravam sangue, e voltaram a envolvê-los com cuidado e mais apertados. Teriam chamado o médico da vila e tratado da rapariga, se não fosse ela. Desconheciam o seu nome, não sabiam quem era e as suspeitas que tinham sobre ela não os ajudavam nas suas desconfianças, e agora tinham uma assassina adormecida no seu quarto.
  As suas feições estavam tranquilas, tinha a pele de um branco de morte, mas viam que respirava, por isso, para que não lhes fugisse e desaparecesse de novo, decidiram que seria melhor vigiá-la.
  - Devias ficar tu aqui, Michael - disse Rafael.
  - Estás todo sujo - continuou Gabriel. - Se ficares aqui evitamos perguntas.
  - Não sei. Vão fazer perguntas na mesma.
  - Nós dizemos que não te sentes bem, trazemos-te comida e pronto - declarou Rafael, com um sorriso de satisfação estampado na cara.
  - Está bem. Tentem não demorar, então!
  Tinha fome, mas, embora ainda não o tivesse admitido, estava mesmo mal disposto, por isso, de qualquer maneira, precisava de ficar à janela, de nariz ao ar livre, para se conseguir livrar do cheiro que se lhe instalara nas vias nasais.
  E assim foi. Gabriel e Rafael desceram e Michael pendurou-se na janela, voltando para dentro pouco depois. Estava curioso. Queria saber mais sobre a rapariga, por isso, na esperança de aprender observando, puxou o cadeirão da lareira para perto da cama e sentou-se, fixando, com os seus olhos, a rapariga, o seu vestido e os seus cabelos sujos. Tinha pestanas compridas e negras que contrastavam com os seus fios de cabelo dourados. Tinha um nariz redondo e delicado e queixo e pescoço finos, tal como os seus braços, embora Michael já tivesse testemunhado o quão fortes eram.
  O quarto estava em silêncio. Não passava ninguém no corredor, e foi aí que Michael reparou nas rosas. Pequenas rosas bordadas no vestido branco, igualmente sujas. Quis tocar-lhes, mas, por algum motivo, tinha um pouco de medo. Já tinha a mão estendida no ar na direcção do tronco da rapariga, quando hesitou, deixando-a imóvel mas trémula a meia distância do vestido.
  "E se acorda e me ataca outra vez?" perguntou-se. Pensamento que o fez recuar um pouco, mas era mais curioso do que medroso. Ajeitou-se no cadeirão e aproximou a mão do vestido, de novo. As rosas eram pequeninas e às centenas e, embora estivessem manchadas, sentia-as como se tivessem sido acabadas de lavar. Eram feitas de pequenos rolos de tecido com pétalas em círculo e raminhos esculpidos na malha.
  - Ah...!!
  Sem que tivesse reparado, a rapariga tinha aberto os olhos."


Novo capítulo começado e a aventura continua :) espero que, tal como eu não consigo parar de escrever, não consigam parar de ler!
  

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