terça-feira, 11 de agosto de 2015

Caça ao Bêbado

"  João ia responder, mas foi impedido de o fazer por um homem que cambaleava rua abaixo, tropeçando sonoramente e segurando-se com as duas mãos a todas as paredes que podia. Pela forma como se deslocava, parecia encontrar-se à Beira de um abismo.
  Ao aperceber-se do interesse que os gémeos tinham ganho no homem, João explicou:
  -  Aquele é o bêbado - começou.- Anda por aqui até casa, vindo da taberna, todas as noites.
  Ao ouvir isto, Filipe apertou o braço ao irmão.
  - Filipo... os bêbados são os mais honestos - disse, enquanto lhe piscava o olho.
  Não precisou de dizer mais nada! Assim que proferiu estas palavras, o gigante mais brutamontes abandonou o seu posto de guarda a João e lançou a passada em direcção ao homem cambaleante.
  - Olha lá...! - gritou, a voz como um trovão vindo de uma nuvem raivosa, ainda de longe.
  A maneira como se deslocava e como falava com uma pessoa assim, desconhecida e, ainda por cima, debilitada, só aumentava em João a desconfiança de que, sem contar com Filipe, Filipo atribuía a tudo e todos um estatuto de insignificância quase como o que associaria a uma formiga. O que ele não tomava em conta era que tudo no mundo, incluindo o mais pequeno grão de areia ou terra, tinha o seu papel a fazer e era tudo menos insignificante. Assim também o bêbado o era.
  - Tu aí!
  Desta vez, embora estivesse já mais próximo, gritou ainda mais alto, pois o bêbado, ou o ignorara ou nem sequer dera por ele. Este continuava na tarefa dificílima que era dar o próximo passo.
  Agora mais irritado do que era costume, face à pouco a importância que lhe estava a ser dada, Filipo continuou com a sua aproximação a uma passada cada vez mais severa até alcançar o homem, que ao pé dele não era mais do que um homenzinho.
  Apanhado desprevenido, ao dar-se conta do vulto do vulto enorme que acabara de o alcançar, o bêbado não conseguiu conter um salto.
  - Aai! Home! Saia-me do ...hic... caminho, que me mata do coração e... hic... não vejo a hora de me meter em casa! - gritou, na sua fala embebedada e de mão deitada ao peito, como se quisesse impedir o coração de lhe saltar do sítio.
  - Onde é que mora? - perguntou Filipo.
  Queria poder segui-lo até onde quer que o homem fosse enquanto o assustava com perguntas que nenhum estranho deve fazer.
  Enquanto isso, Filipe começara a aproximar-se, também, e João seguia-o de perto.
  - Num te digo! - exclamava o bêbado quando João e Filipe se aproximaram o suficiente para ouvir a conversa.
  - Se não me dizes prego-te à parede pelos colarinhos! - ameaçava Filipo.
  - Oh! Como se tu... hic... como se tivesses força para isso! Anda lá... hic... porra para isto! Anda lá, valentão!
  O bêbado, ou era muito corajoso, ou estava apenas enlouquecido pela bebida. Nos seus pensamentos João  começara a imaginar-se naquela situação. Tinha a certeza que só lhe ocorreria fugir. No entanto, o homem, tonto quanto estava, continuava ali, erguido o mais direito que conseguia, enfrentando o matulão.
  - A tua sorte, seu bêbado de meia tigela, é que não tens colarinhos - observou Filipo.
  - Pois não! - respondeu o homem, que, para espanto de João, tinha agora um sorriso demente estampado na cara. Filipe continuava sem se intrometer no minuto de diversão do irmão. - Mas p... hic... raaaaaiooos! - queixou-se, mais uma vez, dos soluços que logo agora lhe haveriam de dar. - pernas eu tenho!
  - O que é que isso quer dizer? - perguntou Filipo, baralhado , dirigindo depois o olhar ao gémeo em busca de alguma elucidação.
  Podia bem notar-se que a parte da inteligência tinha ficado exclusiva a Filipe  e o bêbado, embora afinal não fosse corajoso, era esperto que nem um burro. Assim que Filipo lhe virou costas, largou a correr que nem um doido numa velocidade que tinha a certeza ser estonteante! No entanto, por causa da bebedeira, era obrigado a levar a mão na parede e não demorou até que esta lhe fugisse.
  Quando se encontrava apenas a meio metro de distância, Filipe, Filipo e João tiveram o prazer de assistir a um momento que lhes fez valer a noite.
  De repente, o pobre bêbado ficou sem apoio na mão, tropeçou num buraco da estrada e estatelou-se de queixos no chão.
  - CUM CANECO! - guinchou entre grunhidos - CARALHO! AII, QUE A BEBIDA CASTIGA!
  Enquanto João se perdia de riso, Filipe mantinha-se sério, embora lutasse contra a sua vontade de rir, e Filipo, também ele levado pelas gargalhadas, voltou a aproximar-se do bêbado.
  - Ai! - assustou-se este, quando o gigante o alcançou e o levantou contra a parede. - Mãe do céu, Santa Maria, agora são dois!"


Embora um bocadiiito mais forte, este excerto tem a sua piada. Devo confessar que ao escrevê-lo também não consegui controlar o riso, por isso espero que se divirtam tanto a lê-lo como eu a escrevê-lo. Afinal o sorriso é a curva mais bonita de qualquer ser humano :)


quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Manhãs

"  Acordou com a luz do sol a bater-lhe forte nos olhos, fazendo com que sentisse as pálpebras a aquecer enquanto dava por uma respiração forte no pescoço. Sentia-se confortável, com um braço leve e elegante envolvendo-lhe a cintura e uma pressão suave desde o centro até ao fundo das costas.
  Manteve-se imóvel durante mais alguns instantes. Gostava de se sentir assim, calmo, antes de começar a agitação de um novo dia: quando era obrigado a fechar os olhos por conta do sol, apurando os próprios sentidos enquanto deixava a mão esquerda deslizar pela cama até alcançar Eva. Depois virava-se de frente para ela, apenas para a encontrar de olhos fechados, mergulhada bem fundo em sonhos que lhe iam rasgando um sorriso angelical no rosto."

Um primeiro, muito curto excerto do segundo livro. Parece que tem demorado, pois não tenho publicado nada, mas garanto-vos que está a andar! :) espero que gostem

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Um Pouco Mais Perdido de Mim

Não te tenho escrito. Não sei o que te escrever. Sinto um pouco de vergonha em dizer-te assim tão cruamente que de vez em quando me perco nas voltas que a vida me resolve dar. É assim, a vida. Num dia deixa transparecer um sorriso esperançoso, e no outro tenta-te a não o seguir.

É mais uma carta para ti, esta que escrevo agora que a inspiração me parece estar a querer fugir. Mas sei que volta. Só preciso de ser paciente e esperar que sinta tantas saudades de mim como eu dela... como eu tuas. Continuo sem te conhecer. Continuo sem poder dizer-te milhares de vezes o quanto sei que és a mulher mais bonita do mundo, mesmo que não aches em ti a vontade de, nesse pormenor, concordar com a minha mais honesta certeza. A verdade é que já não te escrevo há semanas, talvez meses. Não o fazer deixa-me perdido no tempo e até nas minhas próprias palavras em dias que as sinto a arrombar-me o peito, mas em que as mãos não lhes querem fazer a vontade.

Pois estou perdido agora, sem ti e sem o que me define. Por vezes pergunto-me se pertenço a alguém da forma como vejo tanta gente pertencer e desejo da forma mais desesperada que conseguir, que seja a ti que te pertenço, estejas onde estiveres. Por vezes sinto que sou um emaranhado de destinos igualmente grandes e que ao mesmo tempo não me encontro em nenhum deles. Sinto que não pertenço a nada nem a ninguém, nem mesmo ao mundo e é aí que me fogem todas as certezas. É aí que a dúvida de mim próprio me assombra a noite e o dia. É aí que sinto que não sou bom em nada do que faça, e por isso, nessas alturas sombrias, tento imaginar a luz. Tento imaginar como será que a tua pele se sente ao toque, como será que o teu sorriso se desenha por entre as tuas maçãs do rosto e como os teus olhos brilharão ao abrigo da visão feia de mim. Pergunto-me como será o orgulho que vais sentir no que me tornar, a felicidade que te crescerá no coração em cada momento e cada nova aventura que se traçar em cada passo de braço enrolado à volta da tua cintura.

Sei que sentimentos não escrevem livros, pelo menos não os que espalho por aqui. Mas chega-me a mim que oiças os choros desesperados que liberto em sonhos por ainda não te ter podido deixar de imaginar e que me inspires durante o dia para continuar com o caminho que tenho que percorrer até poder afundar-me nos teus braços, respirar fundo e dizer-te que cheguei a casa.

Não sou uma pessoa de quebrar promessas, por isso aqui vai mais uma: prometo-te que por mais desânimo que sinta em dias menos felizes, por mais cansaço que as pernas me convençam que sinto, um dia irei encontrar o destino que me reservas em ti


Até lá, continuarei a amar-te da forma mais confusa que possas imaginar: a minha.
Francisco