sexta-feira, 1 de abril de 2016

A Estrada da Floresta

  "O túnel de árvores frente à pequena ponte que servia de entrada para os bosques apresentava um ambiente mais escuro do que o da vila, o que provocava um indício de temor nos irmãos. No entanto estes recusavam-se a arrepiar caminho.
  - O que achas de prestarmos uma visita à vila do fundo da montanha? - sugeriu Rafael. - Pode ser que lá tenham visto alguém estranho.
  - É possível que lá encontremos respostas, mas até lá mantém-te alerta.
  Agora Michael recusava-se a manter o olhar na estrada. Em vez disso ordenou ao cavalo que acelerasse o passo e ia olhando em todas as direcções.
  - Algo nos segue - disse.
  O coração do irmão ia-lhe saltando pela boca. Apertou a rédeas com mais força e, tal como Michael, não conseguia evitar fixar todas as árvores como se cada uma os fosse matar.
  - Se forem os cães? - perguntou Rafael.
  O pânico começava a tomar conta dele.
  - Há quanto tempo deixámos a vila? - questionou Michael.
  Rafael ia responder quando a sua barriga lhe deu sinal. Antes de falar ele manteve os olhos no seu tronco.
  - Deve ser perto da hora do almoço. Saímos há mais de três horas - informou.
  - Estamos longe o suficiente...
   O medo de Rafael, que outrora o levaria a tremores e imobilidade, levava-lhe agora a mão ao arco buscando conforto. Parecia estar a adivinhar o que estava para vir.
  - Longe o suficiente para quê?
  - Para outro ataque.
  Michael começara a assumir posição segurança preparando-se para o galope do cavalo quando uma nesga de movimento se fez notar ao longe, no meio da vegetação.
  - Larga o arco - segredou. Rafael seguia ao seu lado e libertou a haste de madeira de imediato. - Prepara-te para fugir.
  Esta opção era sem dúvida a que mais agradava ao irmão mais novo. Este aproximou também o tronco às costas do cavalo e apertou as rédeas com as duas mãos e toda a sua força.
  - Quando qui... - começou Rafael.
  Um assobio alto interrompeu a sua frase seguido por uma flecha que lhe rasou o nariz e o fez desequilibrar-se para trás. De repente tudo começou."

domingo, 6 de março de 2016

A Boca de Gruta

  
Pouco depois os quatro voltavam à entrada da mansão, atravessando os corredores e descendo a escadaria. Já havia pouca gente no jardim quando se aventuraram pelas grandes portas da casa, e quem ainda lá se encontrava já lhes virava costas para seguir o caminho até casa.
  O mesmo foi o que fizeram. Andaram estrada fora até aos portões de ferro tomando depois uma esquerda, mesmo antes de alcançarem a vila, embrenhando-se nos bosques. Eva, que agora envergava um vestido branco como lhe era costume, ia-se queixando de cada vez que um raminho seco rasteiro lhe picava as pernas.
  - Ah! Caramba! - gritou de repente Rafael, que tinha acabado de tropeçar num conjunto de raízes.
  - Sempre o mesmo! - troçou Gabriel, que seguia um pouco à frente.
  - Está calado!
  - Shiu! - sibilou Eva, torcendo o tronco na direcção dos dois com o dedo indicador atravessado à frente dos lábios.
  - Epah! Já não se pode tropeçar, também! - segredou Rafael com cara de ofendido.
  - Eva liderava o caminho. Todos viam por onde caminhavam, mas deixavam a liderança dos passeios nocturnos pela floresta por conta dela. Se eles sabiam onde tudo ficava, chegava a saber quais os ramos que não deviam pisar!
  Era noite cerrada quando chegaram ao local: uma boca de caverna cheia de um vazio frio e assustador que lhes demonstrava um pouco do terror do desconhecido. Especialmente a Rafael!
  - Não temos que entrar, pois não? - perguntou em tom de súplica.
  - Não - respondeu Eva -, não te preocupes.
  - Então porque é que viemos até aqui? - indagou Gabriel.
  Eva respirou bem fundo o ar da noite.
  - O meu pai falava-me deste sítio. Contava-me histórias sobre a caverna e dizia-me que um dia havia de precisar dela, mas nunca me explicava para quê. Talvez nem ele o soubesse, mas acho que hoje é o motivo - disse.
  À sua volta o ambiente estava calmo, silencioso, como se todos os sons da noite se tivessem sustido de modo a que a noite se tornasse ainda mais fantástica. Ouvia-se apenas o vento calmo e frio como a morte,
  - Pelo menos um deles - completou enquanto enfrentava Michael.
  Ali formava-se um pequeno intervalo na folhagem das árvores, por isso a luz do luar ainda lhes permitia um pouco de visão. A suficiente para que não se sentassem em nenhum calhau bicudo.
  - E agora? - perguntou Michael.
  A curiosidade que sentia ia crescendo lado a lado com o receio, embora não o demonstrasse - nada o faria parecer-se menos destemido que o pai, mas o sonho daquela manhã continuava a apertar-lhe o nó que sentia na garganta.
  Um leve toque nas mãos trouxe-o de volta à realidade. De repente era como se estivesse de volta àquela manhã, no casamento.
  Distraidamente, Eva acenou-lhes:
  - Sentem-se... - sugeriu aos outros dois irmãos - ainda demoramos um bocadinho.
  Sem nunca questionar, os irmãos obedeceram enquanto Eva e Michael, noiva e noivo, se preparavam para atravessar mais uma cerimónia. 
  A mulher sorriu e voltou a fixar Michael nos olhos. Depois fechou os seus e começou num sibilar que, como de costume, nenhum dos irmãos conseguia entender. Ela com certeza nunca demonstrara qualquer interesse em ensinar-lhes aquela sua linguagem, mas Gabriel retribuía esse interesse, a Rafael a linguagem assustava e Michael limitava-se a deixá-la às suas magias e segredos.
  - O que é que achas que é isto? - segredou Rafael.
  - Não sei. Cala-te! - respondeu Gabriel.
  - Quero saber!
  - Eu não quero saber mais... - soltou Gabriel elevando o braço direito à altura dos olhos do irmão mais novo, o qual exibia uma enorme e irregular cicatriz.
  Rafael engoliu em seco, relembrando o medo que sentia em relação a tudo o que envolvia feitiço e voltou a fitar em silêncio as figuras unidas de Michael e Eva.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Lembranças

  "De repente encontrava-se numa clareira. Perecia-lhe familiar mas não sabia porquê, por isso limitava-se a olhar a toda a sua volta sem se mexer do sítio. Tudo era peculiarmente bonito e os últimos anos tinham-lhe ensinado que tal não podia ser bom sinal, por isso mantinha-se desconfiado e alerta.
  Foi ao fim da terceira volta sobre se mesmo que deu por um pedaço de pedra espetada no chão a cerca de três metros de si. Primeiro não percebeu bem o que era. Pareceu nem sequer ter significado, mas foi quando no seu pensamento a pedra se definiu como sendo uma lápide, que os seus pensamentos foram inundados por memórias: uma espada afundada no peito, três corpos num chão frio, dias de tristeza profunda e meses a preparar o lugar do qual fariam o mais bonito do mundo.
  E ali estava ele: uma clareira completamente rodeada por árvores densas de um verde mais fresco que uma manhã de geada, repletas de flores vermelhas e rosadas que pareciam arder ao toque do sol, que entrava directamente pelo centro da clareira e se espalhava sobre tudo o que ali havia, incluindo a lápide na qual agora se conseguiam distinguir pequenos conjuntos de letras clássicas. Letras essas que davam nome às duas pessoas que ali se deitariam para a eternidade.

"Aqui Jazem William e Muriel.
Pais Queridos e Amantes Eternos."

  Palavras que se liam como a mais pura das verdades e que desenharam de imediato um sorriso incontrolável entre as bochechas de Michael. Sorriso esse que veio acompanhado de um toque ao de leve no seu braço. Um toque que, com o tempo, se tinha tornado no mais familiar que conhecia." 




Estive ausente durante uns tempos pelos meu próprios motivos, mas aqui está o início do resto da aventura pela qual tantos leitores ansiavam :) espero que gostem deste pequeno começo e dos que estão para vir. Mais uma vez, como não posso deixar de lembrar, comentem e partilhem e essas coisas todas!