domingo, 6 de março de 2016

A Boca de Gruta

  
Pouco depois os quatro voltavam à entrada da mansão, atravessando os corredores e descendo a escadaria. Já havia pouca gente no jardim quando se aventuraram pelas grandes portas da casa, e quem ainda lá se encontrava já lhes virava costas para seguir o caminho até casa.
  O mesmo foi o que fizeram. Andaram estrada fora até aos portões de ferro tomando depois uma esquerda, mesmo antes de alcançarem a vila, embrenhando-se nos bosques. Eva, que agora envergava um vestido branco como lhe era costume, ia-se queixando de cada vez que um raminho seco rasteiro lhe picava as pernas.
  - Ah! Caramba! - gritou de repente Rafael, que tinha acabado de tropeçar num conjunto de raízes.
  - Sempre o mesmo! - troçou Gabriel, que seguia um pouco à frente.
  - Está calado!
  - Shiu! - sibilou Eva, torcendo o tronco na direcção dos dois com o dedo indicador atravessado à frente dos lábios.
  - Epah! Já não se pode tropeçar, também! - segredou Rafael com cara de ofendido.
  - Eva liderava o caminho. Todos viam por onde caminhavam, mas deixavam a liderança dos passeios nocturnos pela floresta por conta dela. Se eles sabiam onde tudo ficava, chegava a saber quais os ramos que não deviam pisar!
  Era noite cerrada quando chegaram ao local: uma boca de caverna cheia de um vazio frio e assustador que lhes demonstrava um pouco do terror do desconhecido. Especialmente a Rafael!
  - Não temos que entrar, pois não? - perguntou em tom de súplica.
  - Não - respondeu Eva -, não te preocupes.
  - Então porque é que viemos até aqui? - indagou Gabriel.
  Eva respirou bem fundo o ar da noite.
  - O meu pai falava-me deste sítio. Contava-me histórias sobre a caverna e dizia-me que um dia havia de precisar dela, mas nunca me explicava para quê. Talvez nem ele o soubesse, mas acho que hoje é o motivo - disse.
  À sua volta o ambiente estava calmo, silencioso, como se todos os sons da noite se tivessem sustido de modo a que a noite se tornasse ainda mais fantástica. Ouvia-se apenas o vento calmo e frio como a morte,
  - Pelo menos um deles - completou enquanto enfrentava Michael.
  Ali formava-se um pequeno intervalo na folhagem das árvores, por isso a luz do luar ainda lhes permitia um pouco de visão. A suficiente para que não se sentassem em nenhum calhau bicudo.
  - E agora? - perguntou Michael.
  A curiosidade que sentia ia crescendo lado a lado com o receio, embora não o demonstrasse - nada o faria parecer-se menos destemido que o pai, mas o sonho daquela manhã continuava a apertar-lhe o nó que sentia na garganta.
  Um leve toque nas mãos trouxe-o de volta à realidade. De repente era como se estivesse de volta àquela manhã, no casamento.
  Distraidamente, Eva acenou-lhes:
  - Sentem-se... - sugeriu aos outros dois irmãos - ainda demoramos um bocadinho.
  Sem nunca questionar, os irmãos obedeceram enquanto Eva e Michael, noiva e noivo, se preparavam para atravessar mais uma cerimónia. 
  A mulher sorriu e voltou a fixar Michael nos olhos. Depois fechou os seus e começou num sibilar que, como de costume, nenhum dos irmãos conseguia entender. Ela com certeza nunca demonstrara qualquer interesse em ensinar-lhes aquela sua linguagem, mas Gabriel retribuía esse interesse, a Rafael a linguagem assustava e Michael limitava-se a deixá-la às suas magias e segredos.
  - O que é que achas que é isto? - segredou Rafael.
  - Não sei. Cala-te! - respondeu Gabriel.
  - Quero saber!
  - Eu não quero saber mais... - soltou Gabriel elevando o braço direito à altura dos olhos do irmão mais novo, o qual exibia uma enorme e irregular cicatriz.
  Rafael engoliu em seco, relembrando o medo que sentia em relação a tudo o que envolvia feitiço e voltou a fitar em silêncio as figuras unidas de Michael e Eva.